Em Busca de Milagres


Nos últimos dois anos muita coisa aconteceu no mundo e provavelmente na vida da maioria de nós. Todos acabamos sendo afetados de alguma forma, em maior ou menor grau.

Uma pandemia global sem precedentes como esta que ainda estamos atravessando, inevitavelmente deixa no mundo daqueles que ainda permanecem de pé, sequelas que vão muito além de sintomas físicos, confinamentos e a submissão à regras muitas vezes controversas. 
 
Mas me parece que nada disso pode ser chamado de "novo normal", que foi o termo escolhido para o que parece ser o mundo pós COVID. Acredito que o que define melhor este "novo normal" são coisas quase palpáveis como o buraco na alma causado pela ausência daqueles que se foram e pela distância recomendada ou imposta àqueles que continuam vivos. O medo de uma garganta arranhando ou um nariz escorrendo, sintomas que num passado recente eram comuns e corriqueiros, hoje são sinônimos de inquietação, temor e apreensão (até porque sabe-se lá quantas novas variantes do vírus ainda poderão surgir), o crescente número de casos de doenças mentais ou emocionais desencadeado pelo estresse e os traumas acumulados. Luto, isolamento social, desemprego e dívidas são apenas algumas das verdadeiras sequelas que estão levando as pessoas à beira do colapso. A incerteza sobre a honestidade da informações trazidas pelas autoridades ditas competentes e pelos veículos de comunicação cuja isenção há tempos anda sob suspeita, a sensação de um mundo ainda mais instável e de uma vida humana tão desvalorizada, agora ainda mais fragilizada. Estas são as verdadeiras sequelas desta pandemia na sociedade de uma maneira geral. Este é o verdadeiro "novo normal."

Pode não parecer, mas esta é a introdução de mais um diário de viagem. A viagem mais recente, de Janeiro de 2022. Uma viagem com quê de aventura, de desafio à saúde publica, de provocação ao vírus e desrespeito à segurança sanitária, mas de uma fuga quase urgente também e, cujo título, com o perdão do trocadilho, não poderia ser mais apropriado.

Não. Não estou com vontade de escrever sobre isso (talvez seja outra sequela da pandemia) mas o farei (tardiamente) em consideração à todo o histórico de lembranças e detalhes de outras viagens preservados graças a relatos como este. O farei também em sinal de desprezo ao meu usual mau humor, que amanhã poderá melhorar e me trazer arrependimentos por não ter registrado para a posteridade os detalhes de mais uma viagem.

São Miguel dos Milagres 17-24 de Janeiro de 2022

Dia 17/01

Saímos de Guarulhos/SP pouco depois da 1h da manhã e chegamos em Maceió perto das 4 da manhã. Entre o desembarque, o resgate de bagagem e a liberação do carro alugado se passou um tempinho razoável e deixamos a locadora já perto das 5h da manhã e do alvorecer.

E que alvorecer! As colinas alagoanas que, inicialmente, formavam apenas um contorno escuro, começavam a se revelar. A cada quilômetro da estrada, apareciam vales encobertos por uma bruma leve, igual à das paixões que vem de dentro. Entre uma curva e outra, surgiam os montes - os primeiros a serem tocados pelo sol - refletindo seu brilho dourado e abençoando aquele primeiro dia de liberdade tão desejada e mais que merecida. É uma descrição um tanto quanto romantizada, eu sei. Mas é de propósito! Porque é justamente assim que nos sentimos depois de tanta noticia ruim e de dois anos de confinamento.

Chegamos em Passos do Camaragibe 1h20 minutos depois de deixar o aeroporto e paramos para tomar um café da manhã na primeira padaria que encontramos aberta. Claro! Nada como um cafezinho para refazer o ânimo depois de uma noite em claro. Mais meia hora de estrada e, antes das sete horas da manhã, estacionamos em frente à Praia do Marceneiro. Era imprescindível meter o pé na areia antes de qualquer outra coisa. 
 
 
Havíamos alugado uma casa pelo AirBnB que só estaria disponível após o meio-dia. Então teríamos que esperar algum tempo até termos acesso à um lugar privado, para o que quer que fosse.
 
Não ficamos à vontade para trocar de roupas na praia, mas dirigimos até o mirante do Alto do Cruzeiro e trocamos de roupas tranquilamente lá. Ninguém precisou ficar pelado, é claro! Mas o mirante oferecia um pouco mais de discrição do que a praia naquele momento, oferecia também um belo visual da cidade e era um local que não tínhamos conhecido em nossa primeira visita à Milagres.
 
 
De roupa de banho e com tempo sobrando,  fomos até a sensacional Praia do Patacho "fazer hora". E foi lá que passamos o restante daquela manhã antes de fazer o "checkin" na nossa casa alugada em Milagres.

Nossa primeira experiência com o AirBnB foi bastante positiva. Alugamos uma casa nova, num condomínio fechado, estilo rústico e moderna, ambiente aconchegante, dois pisos, varanda e área gourmet com churrasqueira, ducha e piscina com cascata e deck privativos. Varanda com rede, sala com televisão e sofá cama e cozinha montada. Os dois quartos possuem armários e ar condicionado, roupa de cama, toalhas de banho e piscina, vaga de garagem e WI-FI. A casa acomoda confortavelmente oito pessoas e está localizada na Praia do Marceneiro, quase a beira mar (Vide anuncio abaixo).

Dia 18/01
Véspera de aniversário da Jana. Pela manhã, ficamos na praia "de casa" mesmo. Depois do almoço, fomos até Maceió, no Wagner Amorim Confeitaria, buscar o bolo e os doces que a Jana encomendou para a sua pequena comemoração do dia seguinte.


Na volta, aproveitamos e paramos no Palato Ponta Verde, que é tipo um super mercado Pão de Açúcar, para comprar umas coisinhas para termos "em casa", especialmente para o café da manhã.

Dia 19/01

Mais um dia lindo de sol. Pela manhã, Praia do Marceneiro, maré baixa, águas transparentes, rasas e calmas. Espetacular. Logo depois, fotos em frente à Capela dos Milagres.
 

À tarde, visitamos mais um lugar que não tínhamos conhecido na viagem de 2018. A ponte sobre Rio Tatuamunha. É uma ponte de madeira de aproximadamente 350 metros, localizada no povoado de Tatuamunha, em Porto de Pedras. Seguindo pela via principal da cidade, a referência é a Associação Peixe Boi. Há um acesso à direita com a placa Vila de Tatuamunha. Após dirigir alguns metros por uma pequena vila, haverá um acesso de terra, basta seguir em frente para chegar a ponte. Caminhando pela ponte é possível admirar o manguezal, o rio, e se desejar, chegar até a praia de Tatuamunha.

A noite chegou e com ela a comemoração do aniversário da Jana. Não poderia passar em branco. E é claro que teve uma mesinha decorada.

Dia 20/01

Raiou um novo dia. Café da manhã e pé estrada. Mais ou menos duas horas dirigindo tranquilamente sentido litoral norte, parando nos mirantes da Barreira do Boqueirão e Aruana, ambos em Jarapatinga até chegar na badalada Praia do Antunes, em Maragogi.
 


Dia 21/01

Dia de ir além e cruzar fronteiras. Literalmente. Saímos de Alagoas e fomos para Pernambuco. Duas paradas badaladas programadas. Praia dos Carneiros e Porto de Galinhas. Chegamos na famosa igrejinha dos Carneiros às dez horas da manhã.

Apenas para registro histórico. Desde momento em que desembarcamos em Maceió, não havíamos sido submetidos à nenhum protocolo sanitário de Covid. Porém, ao chegar no Sítio Igrejinha dos Carneiros, onde está a famosa capela de São Benedito (a igrejinha dos Carneiros), nos foi solicitado o comprovante de vacinação e a utilização de máscara (exceto nas mesas e na praia). Só então descobrimos que um decreto estadual obrigava a todo estabelecimento pernambucano que solicitasse o comprovante de vacinação à todo e qualquer visitante para permitir sua entrada. O que se mostrou verdadeiro depois, na volta, quando paramos num boteco qualquer de beira de estrada para comprar água e só entramos depois de mostrar o tal comprovante e botar a máscara. Muito diferente de Alagoas, onde até esquecemos da pandemia.

O Sítio Igrejinha dos Carneiros é um bom lugar para passar o dia e o passeio até lá vale a pena. Com boa estrutura, oferece serviço de praia, restaurante, estacionamento, banheiros, além de acesso exclusivo à parte interna da capela. Durante boa parte do dia, a praia fica cheia de turistas que chegam de todas as partes para fazer fila e disputar o espaço para um foto em frente a icônica capela.
 
 
Uma vez satisfeitos e livres de horários e compromissos, pensamos: - Já que estamos aqui, porque não dar uma esticada e matar a saudade de Porto de Galinhas ? - Nem precisa falar duas vezes.

Uma hora depois estávamos estacionando em Porto de Galinhas. Já não era tão cedo mas havia tempo suficiente para um passeio pelo famoso centrinho turístico e para umas fotos na praia, posando diante de algo que provasse que estivemos ali. Tudo estava bem diferente, comparado com nossa viagem de 2008. O centrinho cresceu bastante mas o crescimento, que é muito bom para os locais, às vezes traz inconvenientes para os turistas. Neste caso, falo das abordagens impertinentes e invasivas dos vendedores de time-sharing, que são cotas em empreendimentos paradisíacos em que tudo que você precisa fazer é assistir uma palestra e se deixar se assediado emocionalmente para, em seguida, cair numa arapuca disfarçada de super oportunidade.

Em pouco tempo eu já havia sido abordado por uns quatro ou cinco destes vendedores. Nos primeiros, até tento sair com alguma educação e paciência. Mas se você deixar, vai escapar de um e cair em outro e, quando perceber, vai ver seu relaxante passeio se tornar um tormento e seu tempo ser consumido por algo que você - de maneira nenhuma - queria fazer. Sinto dizer, Porto de Galinhas é um lugar bem bacana, mas bastaram trinta minutos para me fazer sentir saudades do sossego de Milagres. Sorte a nossa que é para lá que voltamos minutos depois. 
 

Obs: Vale registrar que as estradas de Alagoas são (ou estão) melhores que as de Pernambuco, pelo menos entre a divisa de Pernambuco/Alagoas e Porto de Galinhas, que foi o trecho que percorri. Como um circuito turístico importante, deveria estar mais bem conservado.

Dia 22/01

A sensação de que a viagem está terminando de repente aparece e causa uma certa ansiedade e um certo desespero por ter que deixar um lugar paradisíaco daquele para voltar para a vida frenética desta selva de pedra caótica que, afinal, é que nos permite escapar para lugares assim uma vez por ano. Mas ainda não está tudo acabado e este foi dia de conhecer mais um ponto de interesse novo. O Mirante e a Praia do Carro Quebrado. A uma hora de distância da nossa casa.

Há algumas versões sobre o nome da praia mas há duas versões mais populares e um tanto similares. A primeira diz que um casal de visitantes teve o carro atolado na praia e teria abandonado o veículo no local. Já a outra narra que um casal havia escolhido a praia para namorar, porém o carro também quebrou na estrada, devido à dificuldade de acesso.

Além das opções mais tradicionais de praia, como passeio de barco, passeio de buggy e a beleza da praia propriamente dita, acredito que o ponto alto deste lugar é justamente o mirante. Localizado no alto da falésia, o local possui uma vista incrível do litoral e revela paisagens lindas. De lá, é possível avistar as falésias e o mar de águas cristalinas que compõem a região. É uma paisagem de encher os olhos, os cartões da câmera e a memória dos celulares.
 

 
A parte da tarde ficou reservada para a Praia do Patacho. Saindo da estrada encontramos um lugar bom para deixar o carro próximo da pousada Pedras do Patacho e desfrutamos de uma tranquila tarde de praia até quase escurecer. E para coroar mais um dia maravilhoso de férias, a vida nos colocou no lugar certo e na hora certa de presenciar um incrível por do sol num cenário arrebatador e o acaso se encarregou de nos colocar como testemunhas de um pedido de casamento e ainda me deu o privilégio de registrar aquele momento tão sublime. Então, aproveito para eternizar neste texto os meus votos de felicidades e vida longa ao casal Naira e Lúcio.

 
À noitinha, antes de voltar pra casa, uma paradinha no Guajá Vila Gourmet para repor as energias.

Dia 23/01

Já não há mais tempo a perder... é só uma luta insana contra o relógio para, como diz Lulu Santos, "viver tudo que há para viver". E corremos para a água salgada, o melhor calmante que há! Praia de São Miguel dos Milagres, foi lá que, depois de um belo banho de mar, fiquei fotografando um garoto que pulava da jangada.

A refeição chique da viagem foi o almoço no Bistrô da Patrícia. Se me lembro bem, pedimos os pasteizinhos de moqueca de camarão e a moqueca de peixe e camarão, arroz branco com pipoca de alho, farofa de banana e pirão. Nesta viagem, como fizemos a opção pela casa alugada, optamos também por cozinhar. É por isso que há pouquíssimos registros de restaurantes neste diário.
 

Depois do almoço, passeio sem objetivos, apenas para fotos. Primeiro, o Farol de Porto de Pedras. Depois, paradinha na praça da igreja Matriz de São Miguel dos Milagres e finalizamos o dia na praia da "nossa casa".

Para nossa última noite, fomos conhecer o Na Casa de Boa. Apenas para petiscar, ver o movimento e ouvir musica ao vivo.


24/01 - Último dia

Nosso voo de volta estava marcado para 22h aproximadamente. Isto nos permitiu aproveitar a manhã toda na praia, entregar a casa sem correria e seguir para Maceió aguardar a hora do voo. Para passar o tempo, resolvemos conhecer o Parque Shopping Maceió. A Jana queria aproveitar para colocar as unhas e cabelos em dia. Foi a melhor opção para aproveitar o tempo livre de uma forma produtiva.

Comecei este diário em Janeiro, alguns dias depois da viagem e só estou terminando agora, em Maio. Tinha anotado os principais pontos da viagem mas, verdade seja dita, tive que recorrer à linha do tempo do Google para relembrar alguns detalhes. Santa ferramenta essa!

Quem leu os últimos textos deste blog sabe que eu não estava muito no clima para escrever sobre essas coisas. Foram dois anos difíceis de pandemia, perdemos pessoas importantes, queridas, fundamentais. Sentimos medo. Vivemos uma insegurança que há tempos o mundo não via. De certa forma, continuamos vivendo. A pandemia arrefeceu, mas há uma guerra importante em andamento e ninguém pode prever com certeza seus desdobramentos futuros. Como se isso tudo não bastasse, às vezes somos atingidos por aquilo que chamamos de "fogo amigo" que, na verdade, nem é tão amigo assim. E há uma frase que ilustra bem este tipo de sentimento.

"Confiar é baixar a guarda, deixar que adentrem nossa fortaleza, sem medo do "fogo amigo". Por vezes o fogo incendeia e deixa tudo em ruínas, então reerguemos nossos muros. Ninguém espera que um raio caia em sua cabeça, vivemos sem esperar o inesperado, mas às vezes ele chega. Confiar é dar ao outro o poder de nos destruir, pois sabemos que isso não vai acontecer. Mas nos enganamos algumas vezes. - Daniel Paiva @in_finitys

Escrever este diário em meio à este sentimento é um movimento de reerguer os muros, de fortalecer as bases. De mostrar que aqui tem mais. É saber que sim, nos enganamos. Mas o que seria da vida se não fossem os enganos, os aprendizados, as lições e as perdas. Mas as verdadeiras perdas, aquelas pelas quais vale a pena lamentar ou sofrer, talvez, sejam aquelas irremediáveis. São as pessoas, os olhares e os sorrisos que não veremos novamente, são aqueles que sempre estiveram aqui e hoje não estão mais. Todo o resto é passageiro e efêmero. Hoje é seu e amanhã não é mais. Todo o resto é levado pelo vento, consumido pelo fogo ou levado pelo ladrão. Na caminhada da vida é melhor perder do que se perder, porque nenhuma herança será tão rica quanto o caráter e a lealdade.
 
Obrigado por ler até aqui!
Até a próxima!
Fabior
 
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