Dia seguinte ao atentado cometido por dois atiradores numa
escola de Suzano, São Paulo.
Imagens das câmeras de segurança da escola circulam
livremente na internet. São imagens estarrecedoras e que podem até nos fazer
duvidar se o que estamos vendo é real ou alguma montagem, talvez um vídeo
promocional de algum novo filme a ser lançado em breve.
Mas não demora muito para perceber que se trata da mais dura,
crua e imponderável realidade. Somam-se a estas imagens, todo tipo de
especulação sobre os assassinos e as motivações de suas atitudes extremas e
covardes. Aparecem, também, os especialistas de plantão, falando sobre
comportamento, e outros temas ligados à depressão e bullying. Para completar,
como não mencionar os comentaristas de notícias da internet? Estes últimos,
juízes de fatos e circunstâncias que não conhecem ou sequer entendem mas, que
buscam apenas uma justificativa simples e errada para um situação complexa e
extrema como esta. É só apontar um culpado externo e está tudo justificado. São
os games, os pais, os políticos, o bullying, a religião, Deus e todo mundo.
Mas, conviver com tolices é o preço que se paga pela
liberdade de opinião e também de anonimato que a internet proporciona.
Diante de tudo isso, assim como eu, você provavelmente já se
pegou pensando sobre o que leva a acontecimentos como este. A verdade que é há inúmeras
possibilidades e penso que é somente quando passamos por uma situação de
vulnerabilidade deste tipo, é que temos a real dimensão de que é impossível
saber o que se passa na cabeça de uma pessoa que sai de casa disposta a tirar a
vida de desconhecidos desta forma.
Hoje aconteceu algo parecido comigo na rua. Quando digo
parecido, não me refiro à gravidade mas à condição de vulnerabilidade a que
todos estamos submetidos.
Quase sempre, todo dia acaba sendo um dia como outro
qualquer, até que não seja. Hoje seria uma quinta-feira qualquer, dia útil e de
trabalho. Saímos em três pessoas para o horário de almoço. Na volta, uma leve
chuva começou a cair. Buscamos abrigo debaixo do beiral dos estabelecimentos e
continuamos caminhando por ali, meio que em fila, falando as bobagens de
sempre. Eu estava na frente quando notei que vinha uma pessoa em minha direção
e, à medida que percebi sua aproximação (a palavra é esta mesmo -
"percebi" - afinal estava conversando com pessoas que seguiam atrás
de mim), abri minha trajetória para fora do beiral, para dar passagem para a
pessoa que vinha em sentido contrário. De repente, senti uma forte pancada no peito,
seguida de gritos e ofensas que não consigo lembrar. Meio sem ar e sem saber o
que havia me atingido, levei segundos para entender que eu havia
acabado de levar um potente soco no meio do peito e que continuava sendo ofendido
verbalmente, aos berros, por uma pessoa que nunca vi na vida, sem ter a menor ideia
do porque aquilo estava acontecendo.
Confesso que fiquei meio desorientado com a situação.
Afinal, não é todo dia que você é atacado de surpresa na rua por uma mulher (?)
e sem qualquer motivo. As duas pessoas que me acompanhavam e estavam um pouco
atrás, entretidas com a conversa, ouviram o barulho da pancada mas também
não entendiam toda aquela gritaria, apenas se colocaram entre mim e a mulher,
que continuava gritando, enquanto eu recuperava o fôlego, de modo que ela
não me atacasse novamente. Enquanto xingava, ela foi se afastando aos poucos
até retomar seu rumo para onde quer que fosse.
Procurarei ser fiel à minha memória sobre os detalhes
dessa pessoa. Não lembro de tudo. Então, alguns destes detalhes foram fornecidos
pelos meus colegas. Tratava-se de uma mulher, pelo menos parecia (há um motivo
para a dúvida). Provavelmente 1,60m de altura, cor parda, cabelos escuros
curtos, acho que perto dos quarenta anos, usava uma roupa estampada de cor predominantemente laranja. Carregava
uma bolsa de cor clara e usava fones de ouvido. Havia ódio em seu olhos, como se falasse com alguém culpado de todos os seus problemas ou de quem fosse vítima de
extremos maus tratos. Embora tivesse uma voz feminina raivosa, minha dúvida
sobre sua condição de mulher se justifica pela potencia do golpe, que considerei
um pouco desproporcional para uma mulher com aquela estatura. Como não houve
maior gravidade na agressão, resolvi deixar para lá. Era o que o bom senso
mandava fazer. Afinal, como reagir à uma situação dessa, se nem as pessoas que
estavam comigo entenderam direito o que havia acontecido? Qualquer que fosse a
minha reação contra ela naquele momento, fossem reações verbais ou físicas,
para quem passava na rua, seria apenas um homem partindo para cima de uma
mulher. O máximo que consegui foi perguntar se ela estava louca e o que eu
havia feito para ela. O que, evidentemente, ela nem ouviu, pois continuava
gritando e me ofendendo enquanto caminhava para longe.
Nas horas que se seguiram, apenas um pensamento habitava
minha mente: Felizmente, foi apenas um susto. Mas poderia não ter
sido. Ela poderia muito bem ter nas mãos um objeto perfurante qualquer e, a
esta hora, eu estaria morto sem nem saber o motivo. Exatamente como aquelas
pessoas da escola de Suzano. Mortas pelas mãos de uma pessoa desequilibrada
mentalmente ou não. Doente ou não. Vítima de bullying ou não. Viciada em jogos
ou não. Religiosa ou não. Drogada ou não. Politicamente de esquerda ou de
direita.
No meu caso, quantas pessoas já foram agredidas por ela? Quantas ainda serão? Dentre tantas pessoas que cruzaram com ela naquela calçada porque ela escolheu a mim? O que ela viu? Nunca saberei.
No meu caso, quantas pessoas já foram agredidas por ela? Quantas ainda serão? Dentre tantas pessoas que cruzaram com ela naquela calçada porque ela escolheu a mim? O que ela viu? Nunca saberei.
No caso da escola, não importa o diagnóstico, que geralmente
acaba ficando em segundo plano, uma vez que, de nada valem para suas vítimas ou
para os enlutados entes queridos, já que o suicídio costuma ser o destino final
deste tipo de gente como, de fato, foi.
Quando não, o diagnóstico serve apenas para recomendar o
tipo de tratamento que o assassino deverá receber. O que não alivia nem conforta pois, nem sempre garante o seu afastamento do convívio social.
Seja como for, independente do diagnóstico, não acredito em transferência de
responsabilidade pois, enquanto existirem pessoas que passam pelas mais difíceis,
traumáticas e cruéis provações da vida sem se tornarem assassinas, estes
"desequilibrados" ou "doentes" são e devem ser considerados
os únicos responsáveis por suas atitudes.
O mais assustador é
que, ataques como este, por sua natureza, são imprevisíveis e quase impossíveis
de impedir, pois não dependem de armas de fogo (como no caso do moço que foi
atacado com um taco de baseball enquanto folheava livros de arte numa livraria
de São Paulo). Podem, inclusive, ser executados sem qualquer arma (como no caso
da moça que foi empurrada na frente de um trem do metrô, também em São Paulo).
Obviamente, talvez a presença de uma terceira pessoa armada no
local possa diminuir a letalidade do agressor/doente/criminoso mas,
à rigor, não há porte ou posse de arma de possa evitar um ataque surpresa, não
há leis que possam proteger alguém de ser atacado dessa forma, assim como não
existem lugares públicos seguros o suficiente. Portanto, ser ou não uma vítima
deste tipo de pessoa, é como um bilhete de loteria, depende apenas de estar presente na
hora e local errados.
PS: 15 de Março - Outro atentado a tiros em mesquitas na
Nova Zelândia, em circunstâncias ainda mais inacreditáveis como, por exemplo, transmissão ao vivo pelo Facebook. Mais um exemplo de que nenhum
lugar público é seguro e que, lamentavelmente, o atentado contra a vida de
inocentes é recorrente em qualquer cultura, período histórico ou condição social e que
estamos todos sujeitos a encontrar nosso destino final a qualquer momento, nas mãos de alguém dominado pelo mal, seja ele travestido de doença ou seja lá o nome que prefiram dar!
Referência das ocorrências citadas neste texto:
Ataque com um taco de baseball numa livraria:
Mulher empurrada no Metrô em SP:
Obrigado por ler até aqui!
Até a próxima!
Fabior
Trilhas sonora sugerida:
A música I Don´t Like Mondays, é sobre Brenda Spencer, uma estudante de 16 anos que, em 29 de janeiro de 1979, abriu fogo contra alunos
de uma escola pública chamada Cleveland Elementary School. Ela
morava em frente à escola e apareceu no local com uma arma de fogo, atirando nos alunos que aguardavam a abertura das portas para
iniciar as atividades escolares normais. No ataque, ela
atingiu e matou o diretor da escola, Burton Wragg, bem como um zelador
cujo nome foi dado como Mike Suchar. Ambos estavam tentando salvar as
crianças da escola. Além disso, oito outros estudantes sofreram lesões
em diferentes graus. Quando questionada sobre o motivo do ataque, ela respondeu que não gostava de segundas-feiras".
Você e o meus escritor favorito de todas as vidas . Te amo!!!!
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
ResponderExcluirTriste realidade.
Abraços.