Hoje, aqui. Amanhã, quem sabe ?


São Paulo, 14 de Março de 2019

Dia seguinte ao atentado cometido por dois atiradores numa escola de Suzano, São Paulo.

Imagens das câmeras de segurança da escola circulam livremente na internet. São imagens estarrecedoras e que podem até nos fazer duvidar se o que estamos vendo é real ou alguma montagem, talvez um vídeo promocional de algum novo filme a ser lançado em breve.

Mas não demora muito para perceber que se trata da mais dura, crua e imponderável realidade. Somam-se a estas imagens, todo tipo de especulação sobre os assassinos e as motivações de suas atitudes extremas e covardes. Aparecem, também, os especialistas de plantão, falando sobre comportamento, e outros temas ligados à depressão e bullying. Para completar, como não mencionar os comentaristas de notícias da internet? Estes últimos, juízes de fatos e circunstâncias que não conhecem ou sequer entendem mas, que buscam apenas uma justificativa simples e errada para um situação complexa e extrema como esta. É só apontar um culpado externo e está tudo justificado. São os games, os pais, os políticos, o bullying, a religião, Deus e todo mundo.

Mas, conviver com tolices é o preço que se paga pela liberdade de opinião e também de anonimato que a internet proporciona.

Diante de tudo isso, assim como eu, você provavelmente já se pegou pensando sobre o que leva a acontecimentos como este. A verdade que é há inúmeras possibilidades e penso que é somente quando passamos por uma situação de vulnerabilidade deste tipo, é que temos a real dimensão de que é impossível saber o que se passa na cabeça de uma pessoa que sai de casa disposta a tirar a vida de desconhecidos desta forma.

Hoje aconteceu algo parecido comigo na rua. Quando digo parecido, não me refiro à gravidade mas à condição de vulnerabilidade a que todos estamos submetidos.

Quase sempre, todo dia acaba sendo um dia como outro qualquer, até que não seja. Hoje seria uma quinta-feira qualquer, dia útil e de trabalho. Saímos em três pessoas para o horário de almoço. Na volta, uma leve chuva começou a cair. Buscamos abrigo debaixo do beiral dos estabelecimentos e continuamos caminhando por ali, meio que em fila, falando as bobagens de sempre. Eu estava na frente quando notei que vinha uma pessoa em minha direção e, à medida que percebi sua aproximação (a palavra é esta mesmo - "percebi" - afinal estava conversando com pessoas que seguiam atrás de mim), abri minha trajetória para fora do beiral, para dar passagem para a pessoa que vinha em sentido contrário. De repente, senti uma forte pancada no peito, seguida de gritos e ofensas que não consigo lembrar. Meio sem ar e sem saber o que havia me atingido, levei segundos para entender que eu havia acabado de levar um potente soco no meio do peito e que continuava sendo ofendido verbalmente, aos berros, por uma pessoa que nunca vi na vida, sem ter a menor ideia do porque aquilo estava acontecendo.

Confesso que fiquei meio desorientado com a situação. Afinal, não é todo dia que você é atacado de surpresa na rua por uma mulher (?) e sem qualquer motivo. As duas pessoas que me acompanhavam e estavam um pouco atrás, entretidas com a conversa, ouviram o barulho da pancada mas também não entendiam toda aquela gritaria, apenas se colocaram entre mim e a mulher, que continuava gritando, enquanto eu recuperava o fôlego, de modo que ela não me atacasse novamente. Enquanto xingava, ela foi se afastando aos poucos até retomar seu rumo para onde quer que fosse.

Procurarei ser fiel à minha memória sobre os detalhes dessa pessoa. Não lembro de tudo. Então, alguns destes detalhes foram fornecidos pelos meus colegas. Tratava-se de uma mulher, pelo menos parecia (há um motivo para a dúvida). Provavelmente 1,60m de altura, cor parda, cabelos escuros curtos, acho que  perto dos quarenta anos, usava uma roupa estampada de cor predominantemente laranja. Carregava uma bolsa de cor clara e usava fones de ouvido. Havia ódio em seu olhos, como se falasse com alguém culpado de todos os seus problemas ou de quem fosse vítima de extremos maus tratos. Embora tivesse uma voz feminina raivosa, minha dúvida sobre sua condição de mulher se justifica pela potencia do golpe, que considerei um pouco desproporcional para uma mulher com aquela estatura. Como não houve maior gravidade na agressão, resolvi deixar para lá. Era o que o bom senso mandava fazer. Afinal, como reagir à uma situação dessa, se nem as pessoas que estavam comigo entenderam direito o que havia acontecido? Qualquer que fosse a minha reação contra ela naquele momento, fossem reações verbais ou físicas, para quem passava na rua, seria apenas um homem partindo para cima de uma mulher. O máximo que consegui foi perguntar se ela estava louca e o que eu havia feito para ela. O que, evidentemente, ela nem ouviu, pois continuava gritando e me ofendendo enquanto caminhava para longe.

Nas horas que se seguiram, apenas um pensamento habitava minha mente: Felizmente, foi apenas um susto. Mas poderia não ter sido. Ela poderia muito bem ter nas mãos um objeto perfurante qualquer e, a esta hora, eu estaria morto sem nem saber o motivo. Exatamente como aquelas pessoas da escola de Suzano. Mortas pelas mãos de uma pessoa desequilibrada mentalmente ou não. Doente ou não. Vítima de bullying ou não. Viciada em jogos ou não. Religiosa ou não. Drogada ou não. Politicamente de esquerda ou de direita. 

No meu caso, quantas pessoas já foram agredidas por ela? Quantas ainda serão? Dentre tantas pessoas que cruzaram com ela naquela calçada porque ela escolheu a mim? O que ela viu? Nunca saberei.

No caso da escola, não importa o diagnóstico, que geralmente acaba ficando em segundo plano, uma vez que, de nada valem para suas vítimas ou para os enlutados entes queridos, já que o suicídio costuma ser o destino final deste tipo de gente como, de fato, foi.

Quando não, o diagnóstico serve apenas para recomendar o tipo de tratamento que o assassino deverá receber. O que não alivia nem conforta pois, nem sempre garante o seu afastamento do convívio social. 
 
Seja como for, independente do diagnóstico, não acredito em transferência de responsabilidade pois, enquanto existirem pessoas que passam pelas mais difíceis, traumáticas e cruéis provações da vida sem se tornarem assassinas, estes "desequilibrados" ou "doentes" são e devem ser considerados os únicos responsáveis por suas atitudes.

O  mais assustador é que, ataques como este, por sua natureza, são  imprevisíveis e quase impossíveis de impedir, pois não dependem de armas de fogo (como no caso do moço que foi atacado com um taco de baseball enquanto folheava livros de arte numa livraria de São Paulo). Podem, inclusive, ser executados sem qualquer arma (como no caso da moça que foi empurrada na frente de um trem do metrô, também em São Paulo).

Obviamente, talvez a presença de uma terceira pessoa armada no local possa diminuir a letalidade do agressor/doente/criminoso mas, à rigor, não há porte ou posse de arma de possa evitar um ataque surpresa, não há leis que possam proteger alguém de ser atacado dessa forma, assim como não existem lugares públicos seguros o suficiente. Portanto, ser ou não uma vítima deste tipo de pessoa, é como um bilhete de loteria, depende apenas de estar presente na hora e local errados.

PS: 15 de Março - Outro atentado a tiros em mesquitas na Nova Zelândia, em circunstâncias ainda mais inacreditáveis como, por exemplo, transmissão ao vivo pelo Facebook. Mais um exemplo de que nenhum lugar público é seguro e que, lamentavelmente, o atentado contra a vida de inocentes é recorrente em qualquer cultura, período histórico ou condição social e que estamos todos sujeitos a encontrar nosso destino final a qualquer momento, nas mãos de alguém dominado pelo mal, seja ele travestido de doença ou seja lá o nome que prefiram dar!

Referência das ocorrências citadas neste texto:

Ataque com um taco de baseball numa livraria:

Mulher empurrada no Metrô em SP:

Obrigado por ler até aqui!
Até a próxima!
Fabior

Trilhas sonora sugerida:
 
A música I Don´t Like Mondays, é sobre Brenda Spencer, uma estudante de 16 anos que, em 29 de janeiro de 1979, abriu fogo contra alunos de uma escola pública chamada Cleveland Elementary School. Ela morava em frente à escola e apareceu no local com uma arma de fogo, atirando nos alunos que aguardavam a abertura das portas para iniciar as atividades escolares normais. No ataque, ela atingiu e matou o diretor da escola, Burton Wragg, bem como um zelador cujo nome foi dado como Mike Suchar. Ambos estavam tentando salvar as crianças da escola. Além disso, oito outros estudantes sofreram lesões em diferentes graus. Quando questionada sobre o motivo do ataque, ela respondeu que não gostava de segundas-feiras".
 

2 Comentários

  1. Você e o meus escritor favorito de todas as vidas . Te amo!!!!

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  2. Parabéns pelo texto.

    Triste realidade.

    Abraços.

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