O Poder da Emphatia


Espere! 
Não é o que você está pensando! 
Não é mais um texto recheado de clichês sobre coaching, inteligência emocional ou coisas do tipo. 

Quem me conhece ou já leu alguns dos textos deste blog, sabe que estou fazendo deste espaço um registro de memórias (antes que seja tarde e elas se percam...). 

Sabe também que sempre gostei muito de música. Desde criança, até a adolescência, tentei demonstrar aos meus pais o meu interesse por aprender a tocar bateria. Infelizmente, nunca obtive muito sucesso. Eles sempre tiveram outras prioridades e nunca puderam pagar pelas minhas tão sonhadas aulas de bateria. Desta forma, não me restou outra alternativa senão esquecer as aulas até os 19 anos (mais ou menos).

Foi quando conheci Leonardo Lopes, o Léo, que fazia parte da turma do vôlei. Ele tocava guitarra e esboçava uma banda com um cara chamado Ricardo (acho), que sumiu e largou a bateria na casa dele (Léo), onde eles tocavam. 

Ao saber do meu interesse por música, mais especialmente pela bateria, Léo me convidou para assumir o lugar desse tal de Ricardo e continuar tentando fazer um som. Obviamente, aceitei. Afinal, sabe-se lá quando eu teria outra oportunidade daquela...

Mas eu nunca havia tocado uma bateria de verdade. Não sabia sequer montá-la. Por outro lado, eu tinha uma coisa. Sempre fui apaixonado pela bateria e, como tal, eu praticava air drumming enquanto ouvia minhas músicas preferidas. Para quem não sabe, Air Drumming é fingir tocar bateria, imaginando ter nas mãos um par de baquetas e, na frente, um kit de bateria imaginário, reproduzindo no ar os movimentos como se estivesse, de fato, tocando. Para quem vê de fora, parece coisa de maluco mesmo. Mas essa loucura não é exclusividade minha e nem de bateristas apenas. É uma mania que pode atingir a maioria dos entusiastas de música.

A verdade é que o Air Drumming me deu uma boa noção de como tocar, ainda que basicamente, muitas das músicas que eu gostava e foi graças a isso, que não foi assim tão difícil tocar as primeiras músicas numa bateria real. Bastava reproduzir os movimentos que eu já havia repetido tantas vezes no ar.

É nesse ponto que começa a história da Emphatia, minha primeira banda. Banda essa que já mencionei em vários textos deste blog e cuja história vou tentar contar vinte anos depois. Claro, sempre do meu ponto de vista. 

Combinamos de ensaiar sempre aos domingos. Depois do almoço. Durante algum tempo, tocamos na casa onde ficava o escritório do pai do Léo. Tínhamos que desmontar o escritório para montar o ensaio e, ao final, desmontar o ensaio para montar novamente o escritório, deixando tudo exatamente do jeito que estava. 

Começamos tocando músicas como; Tudo Que Vai (Capital Inicial), Anna Júlia (Los Hermanos), Romance Ideal (Paralamas), Last Kiss (Pearl Jam) e coisas simples assim. Era tudo muito divertido mas, de repente, começamos a sentir a necessidade de botar mais gente nesse molho. 


Eu trouxe Eduardo Brito, um colega do trabalho que tocava violão. Brito durou apenas uns três ou quatro ensaios e deixou a "banda" porque achava que não conseguia acompanhar a nossa "evolução"!?

Durante a curta permanência de Brito, eu trouxe Vinícius, que era um colega de uma outra empresa que trabalhei e que vi tocando violão e cantando numa festa da empresa. Vinícius veio para assumir os vocais e liberar o Léo para a guitarra, mas apareceu uma única vez apenas e nunca mais deu sinal de vida. Obviamente, também não o procurei mais. 

Depois, Léo trouxe Tiago Castro, seu amigo de infância e guitarrista que imediatamente entrou em sintonia conosco e já se prontificou a chamar seu primo, Rafael Nunes, outro guitarrista que, à exemplo de seu primo, teve sintonia imediata dentro daquilo que, agora sim, começava a ser parecer com uma banda.

Mas ainda faltava organização. Tínhamos três guitarristas e um “baterista”. Parecia estranho, mas chegamos a conclusão que não precisávamos de mais ninguém. Seríamos apenas nós quatro dali em diante. Leonardo assumiu definitivamente os vocais e a guitarra solo. Tiago segurou a guitarra base e Rafael (pelo menos dentro da banda) sacrificou seu talento como guitarrista para assumir o contrabaixo.

Faltava um nome para a banda. Léo sugeriu Descendentes. Do que? Segundo ele, de tudo que a gente ouvia!

Tudo começava a funcionar e se encaixar naturalmente até que, de repente, o dono da bateria, que havia sumido sem deixar rastros, apareceu para pegar seu instrumento de volta. A gente até sabia que, mais cedo ou mais tarde, isso acabaria acontecendo. Só não esperávamos que fosse tão cedo. 

Isso me colocou diante de uma importante decisão a ser tomada: Meter as caras e comprar minha própria bateria ou abandonar o sonho de tocar bateria que eu havia esperado tanto tempo para realizar. Pedi um tempo para pensar e, meio segundo depois, anunciei minha resposta. 

- Quando podemos ir na Teodoro ??? (Teodoro Sampaio, conhecida como rua dos músicos em São Paulo).

Minha primeira bateria, uma Peace, obviamente era um instrumento para iniciantes. Primeiro, porque instrumento musical é caro e era o que eu podia comprar. Depois, eu não sabia que futuro teria aquela brincadeira e não era justificável investir alto num instrumento mais caro.


Não pareceu na época mas aquele acabou sendo um momento importante para nós. Foi a partir dali que decidimos levar a coisa um pouco mais a sério. Tanto que, logo em seguida vieram as aulas. Eu, de bateria e o Léo, de guitarra e de canto também (acho).

De repente, já estávamos pensando em compor nossas próprias músicas. Tocar covers é legal, mas tocar canções de autoria própria talvez fosse ainda mais. 

Começamos a escrever e compartilhar letras. As melodias, quase sempre de autoria do Léo, surgiam no violão e, aos poucos, iam se encaixando naqueles textos, materializando experiências pessoais, ilusões e decepções. Era um processo bonito. 

É no momento em que uma melodia se une à sua letra que uma canção recebe sua alma. A assinatura melódica que vai acompanhá-la para sempre. 

Quando chegava o domingo, era hora de trabalhar juntos, como banda, e definir a estrutura de cada canção. Introdução, refrão, solos, repetições, etc. Ao mesmo tempo, cada um trabalhava no seu instrumento de forma que, juntando tudo, a canção funcionasse com uma harmonia equilibrada. Eram assim nossas tardes de domingo e era assim que nasciam nossas canções. Não era fácil, mas era surpreendentemente natural para uma banda com tão pouco tempo de formação.

Não demorou muito até o Léo descobrir que já havia uma banda punk americana chamada Descendents. Foi então que o nome Emphatia surgiu. Não lembro o porque do H no meio, mas o significado de empatia, como ação de tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo, fazia bastante sentido diante do que estávamos escrevendo e produzindo naquele momento.

Em seguida veio a mudança de local dos ensaios. 

Consegui um espaço que estava inutilizado na casa da minha avó, fizemos uma pequena reforma, um tratamento acústico básico. Compramos alguns equipamentos básicos também e pronto! Tínhamos um lugar disponível 24x7 para compor, gravar, ensaiar, praticar e até receber amigos. O que era muito bom para oxigenar os ensaios. Afinal, tirando o fato de que tocar para outras pessoas sempre cria uma motivação extra, era uma oportunidade de, entre um cover e outro, mostrar nossas composições para os amigos, também. 

Até aquele momento, nunca foi o nosso foco tocar fora. Também nunca deixamos de tocar covers mas, apesar de toda limitação técnica, sempre houve uma facilidade maior na criação e era nisso que procurávamos canalizar nossas energias.

Assim, ao longo de dois anos (entre 2000 e 2002) produzimos algo perto de 30 canções. E foi mais ou menos nessa época que o Léo descobriu um estúdio de gravação que era cliente do pai dele e percebeu que poderíamos aproveitar o bom relacionamento entre eles para conseguir um bom preço na gravação de uma demo com nossas músicas mais interessantes e bem resolvidas.

A ideia era boa e parecia totalmente viável. Então, avaliamos as canções que tínhamos até aquele momento, escolhemos quatorze delas e nos trancamos na Descendência (nome dado ao nosso pequeno espaço em homenagem ao primeiro nome da banda) para gravar da maneira mais caseira possível a demo dessas quatorze canções para apresentar ao pessoal do estúdio e negociar a melhor condição para gravar o máximo possível. 

Obs: Ainda tenho os registros dessas gravações caseiras… A demo da demo.

Com o material pronto, o Léo conseguiu uma reunião com os irmãos Flávio e Fábio Benes (que já formavam uma dupla sertaneja na época e ainda hoje continuam sendo), do Moving Sound Studios, clientes do pai dele, conforme mencionei anteriormente. Contamos nossa história, expusemos nossa ideia e mostramos nossas músicas. Saímos de lá com um pacote de gravação com preço reduzido para todas as quatorze músicas, aproveitando os horários de baixa procura do estúdio. Era mais do que razoável. E o mais importante, podíamos pagar, ainda que parcelado.

E nos quatro ou cinco finais de semana seguintes (acho), nos trancamos no Moving Sound com todo o nosso amadorismo, inexperiência e ingenuidade, mas também com toda a vontade, honestidade e sinceridade de coração para realizar o que, naquele momento, era o ápice do trabalho de qualquer compositor: entrar num estúdio para gravar um CD, um registro de alta qualidade do que havíamos produzido de melhor nos últimos meses e com recursos exclusivamente nossos, sejam eles musicais, técnicos ou financeiros. Era um feito sensacional.

As sessões de gravação eram extremamente animadas. Os irmãos Benes, sempre bem humorados e piadistas, ajudaram a fazer daquela experiência umas das mais legais e divertidas da minha vida.

Preciso ser honesto e dizer que acabamos gravando tudo sem metrônomo. Nosso pacote não previa horas ilimitadas de estúdio. Podíamos fazer tudo com calma, mas relativamente rápido e eu não tinha experiência e nem condições de fazer de outra forma sem levar uma eternidade.

A sonoridade do trabalho como um todo é algo interessante. Nos ensaios, todas as músicas eram tocadas com guitarras, mas em estúdio a sonoridade do violão era algo que nos agradava bastante (talvez pelo fato de que elas, as canções, sempre nasciam primeiro no violão) e acabamos usando e abusando deles nas gravações. Tanto que, se eu tivesse que classificar esta demo num estilo musical, acho que seria algo meio Indie Folk, talvez. Sei lá. 

Os irmãos Benes nos guiaram durante todo o processo mas nunca se impuseram como produtores e deixaram a liberdade criativa totalmente a cargo da banda. Isto ficou claro, principalmente na gravação dos violões já que boa partes deles foram criados pela própria banda, dentro do estúdio, durante as gravações e em alguns erros de execução fáceis de corrigir, que acabaram passando batido, também. 

Mas é justo registrar também que, Flávio Benes, músico experiente, cantor e produtor musical, gostou muito da nossa Wake Up and Fly. Disse que tinha umas ideias de guitarra para ela e nos pediu autorização para gravá-las. E nós, mesmo não tendo a menor ideia do que se passava pela cabeça dele, autorizamos. Só sei que ficamos todos impressionados quando ele soltou a música e gravou tudo em um ou dois takes. Assim, com a mesma facilidade de quem adoça um café.

O trabalho recebeu o nome de “Cada Um”. Que é nome de uma das músicas mas, principalmente pelo fato de serem registros musicais baseado nas histórias e experiências pessoais de cada um dos integrantes da banda. Havia um pouco de cada um ali, literalmente. 

Chegamos a preparar alguma coisa de arte para o CD mas que se perdeu definitivamente em HDs defeituosos. A imagem que ilustra este texto é apenas uma reprodução baseada no pouco que lembro de alguma daquelas artes e foi feita apenas com este propósito: Ilustrar o texto.

Fazem parte deste projeto as seguintes músicas: 

CADA UM (letra e música: Léo Lopes)
UM NOVO COMEÇO (letra e música: Léo Lopes)
COISAS DA VIDA (letra e música: Rafael Nunes) 
DIAS DE SOL (letra: Fabior Fonseca / música: Léo Lopes) 
ANA (letra e música: Léo Lopes)
ATÉ MAIS! (letra e música: Léo Lopes)
DEZ PRA UMA (letra: Fabior Fonseca / música: Léo Lopes) 
NOSSO PASSOS (letra: Fabior Fonseca / música: Léo Lopes)
SINTO FALTA DE MIM (letra e música: Léo Lopes)
UM (letra e música: Léo Lopes)
AMANHÃ (letra: Fabior Fonseca / música: Léo Lopes)
FILME ANTIGO (letra e música: Léo Lopes)
OS GRANDES HOMENS (letra: Léo Lopes/Fabior Fonseca - Música: Léo Lopes)
WAKE UP AND FLY (letra: Fabior Fonseca / Música: Léo Lopes

Todos os arranjos por Emphatia.

Ter o CD finalizado nas mãos foi uma alegria. Na época, a internet era discada e bastante limitada. Não havia rede sociais ou coisas parecidas para o compartilhamento deste tipo de conteúdo que acabou ficando restrito ao nosso círculo de amigos mais próximos.

Por falar em amigos, além da banda e dos irmãos Benes, as sessões de gravações tiveram uma “testemunha”. Daniel Trevisan, mais conhecido como “Trevis”, amigo e parceiro de Rafael em outros projetos musicais, era convidado para assistir as gravações. 

Entre o final das gravações e o recebimento do CD. Daniel passou a assistir também alguns ensaios e, quanto mais Trevis se aproximava da banda, mais perto do fim chegava a história da Emphatia. 

Trevis também era compositor, multi-instrumentista e sua entrada na banda seria tão bem vinda, quanto natural. Mas havia o receio de que um novo integrante pudesse, de alguma forma, quebrar a harmonia que havia entre a gente. Temíamos que, pelo fato de ser amigo e parceiro musical de Rafael, ele pudesse provocar algum tipo de racha na banda. Mas o assunto foi debatido internamente de maneira aberta, sincera e democrática. E Trevis foi convidado a fazer parte da banda assumindo os teclados e também guitarras, quando necessário.

Sua entrada na banda acabou marcando o fim de um ciclo. A chegada de mais uma guitarra e teclados mudaria para sempre a sonoridade da banda que passou a soar mais elétrica e rock e menos acústica e folk. 

E assim terminava nosso ciclo como Emphatia. A banda crescia em tamanho e experiência. E para marcar esse turning point, resolvemos mudar de nome também. E Emphatia passou a se chamar Vulgo Fred. Mas esta é uma outra história…


Como eu disse no primeiro parágrafo deste texto, contar esta história faz parte da minha ideia de preservar memórias, mas serve também como introdução para futuros posts que pretendo fazer com a intenção de trazer estas canções de volta à vida. 

Hoje em dia produzir e consumir vídeos é muito mais fácil do que já foi um dia. E as redes sociais permitem divulgação e uma visibilidade que podem garantir vida longa a estes registros. Muito mais do que os HDs onde eles estão escondidos hoje, sujeitos a desaparecerem para sempre como vítimas de um defeito qualquer ou deletados por acidente ou descuido.

A primeira da série será Wake Up and Fly. A mesma que mencionei acima e que teve a participação de Flávio Benes na guitarra. Aguardem...

Muito obrigado por ler até aqui.
Até a próxima!
Fabior
 
Postagem Anterior Próxima Postagem

Formulário de contato